domingo, 12 de julho de 2009

Não existe Pgp?!

Estava relembrando como as células irão (espero eu) se comportar nos experimentos para verificar a atividade de uma proteína que “expulsa” diversas substâncias potencialmente nocivas à célula: a glicoproteína P (cuja abreviação é Pgp). Basicamente, o experimento funciona na seguinte maneira: em uma cultura de células, você adiciona um determinado corante fluorescente (no caso a rodamina B)Se essas células possuírem a Pgp, essa proteína vai “expulsar” o corante do interior da célula e ela pouco fluoresce (para fluorescência, é possível conferir se a célula fluoresce observando-as no microscópio; para quantificar a fluorescência, as células são “lidas” por um aparelho próprio, o citômetro de fluxo). Se é adicionado um inibidor dessa proteína, esta pára de “expulsar” o corante de dentro da célula, que passa a apresentar alta fluorescência (observe o esquema que fiz, abaixo).

Esquema simplificado do funcionamento da Pgp ao adicionarmos o corante Rodamina B

Este ensaio também serve para deduzir se uma determinada substância é ou não expulsa da célula pela Pgp. Se adicionarmos algum poluente, por exemplo o cádmio (sempre puxando sardinha para meu lado rs) e a fluorescência for baixa, significa que o cádmio não é expulso pela Pgp, já que ela estará expulsando o corante. Já se a fluorescência for alta, há duas explicações: 1) o cádmio um substrato para a Pgp (ou seja, a proteína vai expulsar menos corante para também expulsar o cádmio) ou 2)o cádmio é um inibidor da PGP (a proteína expulsa nenhum dos dois compostos)

Bom, e eu preocupada relembrando esses detalhes para analisar os resultados. E ainda nem estabeleci um protocolo de experimentos. Após conseguir manter as células “separadas”, isto é, sem formar agregados usando uma solução anti-agregante, o Rapha me aconselhou a não usar esse tipo de solução quando fizer os ensaios para Pgp, especialmente por conter EDTA, uma substância que torna indisponível cálcio e magnésio para a célula (muito importantes em diversas reações celulares). Eu tinha 2 opções:

1) fazer o ensaio com as células aderidas na placa. Complicação: o uso de tripsina pode danificar seriamente as células.
2) Fazer o ensaio com as células em suspensão. Complicação: como eu não poderia usar o anti-agregante, as células agregariam absurdamente. Além disso, teria que fazer mais centrifugações para retirar e lavar o corante, o que aumentaria mais ainda a agregação.

Procurando na literatura protocolos deste experimento, descubro que a grande maioria (22 de 24 trabalhos listados na base de dados pubmed) utilizam tecidos como brânquia e glândula, e não hemócitos. Apenas 2 trabalhos abordavam hemócitos. Mas em vez de ajudar, fiquei preocupada, especialmente o de Sversson (2003), que não encontrou atividade da Pgp em hemócitos do mexilhão Mytilus edulis, apesar de outro autor (Minier, 1996) ter encontrado uma proteína com mesmo peso molecular de Pgp e reação positiva para um anticorpo anti-Pgp de humano. (Thiago, isto te lembra algo?!)

Fica a pergunta para ser respondida daqui a alguns dias: será que há atividade de pgp nos hemócitos que eu estudo?

Quando a união não faz a força

Trabalhar com células possui seus percalços, que variam de acordo com cada tipo celular. Os hemócitos não fogem à regra. A Paulinha trabalha com hemócitos de caranguejo, e eu com hemócitos de ostra. E compartilhamos um mesmo problema: a agregação (ou coagulação) destas células. Logo que fazemos a punção dos hemócitos, eles se unem em uma maçaroca de células, com a qual não é possível fazer nada. Um grande empecilho. A Paulinha sofre mais que eu: "meus" hemócitos agregam bem menos que os "dela".
Semana passada passei as células no citômetro de fluxo para tentar identificar as populações de hemócitos, necessária para seguir com meus experimentos. Mas a agregação dos hemócitos foi um problema sério. Isso acontece principalmente porque preciso fazer uma centrifugação a fim de concentrar as células e ressuspendi em um meio de cultura, o L-15.
Resultado. Agregou geral.
Em seguida, testei ressuspender as células em uma solução bem conhecida pelo pessoal que trabalha com hemócitos: o antiagregante,que, como o nome diz, impede a agregação. Bingo! células livres, leves e soltas. Resultado. no citômetro, a identificação das células ficou bem melhor.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Artigos russos



No filme “bonecas Russas”, Xavier reflete que sua vida amorosa se assemelha àquelas bonequinhas típicas da Rússia, as Matrioshkas, onde dentro de cada boneca existe uma menor. A busca de informações nos artigos também segue a lógica da bonecas russas: você acha um artigo com alguma informação do seu interesse, mas este cita outro artigo. Você busca a segunda citação, e este cita um terceiro. E quando você acha que o terceiro é o último...bem, pode existir um quarto, ou não nenhum. Mas o pior é quando a informação que você tanto procurava não está em nenhum daqueles que você procurou.
Eu queria comparar como Cao (2003) preparou uma cultura primária de hemócitos de Mytilus galloprovinciallis. Começou nos materiais e métodos com a indicação “segundo Barcia et al. 1999” e fez uma descrição rápida dos procedimentos. Segui esta referência, que me levou ao Hughes et al. (1990) que citava mais um autor cujo trabalho não encontrei nos sites de busca. Em Barcia e Hughes, estava descrito exatamente a mesma preparação que em Cao. Não havia as informações que eu buscava:se as células eram centrifugadas, qual a velocidade e em qual solução seriam ressuspendidas. Em Barcia, há uma centrifugação de 3000 x g com ressuspensão em um tampão para lisar as células. Portanto, esta centrifugação não era para manter as células vivas.

Mas voltando o que me interessou no artigo de Cao. Manter cultura primária de hemócitos (ou melhor, invertebrados como um todo) é muito difícil, principalmente porque não se sabe exatamente quais nutrientes estas células necessitam para sobreviver. Neste artigo, ele consegue manter as células vivas (em torno de 100%), por cerca de 20 dias, o que é um tempo muito bom.

Fig. 1: gráfico de sobrevivência de hemócitos em fungicida (bolinha = 1ug/mL; triângulo: 0,5ug/mL; quadrado: 0,1ug/mL) e em soro fetal bovino (A) e hemolinfa (B)

Neste gráfico, ele analisou o efeito de um fungicida em 3 concentrações diferentes de um fungicida e de duas substâncias que melhoriam a cultura de células: (A) soro fetal bovino – muito usado em culturas de vertebrados por conter diversos componentes (como vitaminas, proteínas, carboidratos, etc) necessários para a sobrevivência das células – e (B) hemolinfa inativada (é como se fizesse um análogo do soro fetal bovino: a hemolinfa foi aquecida, centrifugada e filtrada).
Das três concentrações, a menor concentração do fungicida (0,1µg/mL) apresentou melhor resultado. Com 100% das células viáveis por 20 dias em presença de soro. Quando adicionada a hemolinfa, e esse valor subiu para 25 dias. O curioso é que a concentração de 10 µg/mL é muito comum em culturas de vertebrados, e causa morte de 50% das células após 5 dias de cultura. Por isso que, se trabalhando com invertebrados, sempre temos que adaptar nosso protocolo.
Nas minhas culturas de hemócitos, eu uso uma concentração de 10 µL/mL do antibiótico penicilina-estreptomicina e não utilizo soro nem hemolinfa para complementar o meio de cultura. E olha que esta concentração já foi mais alta, de 100 µL/mL, mas diminuí após sugestão de conversar com uma menina que apresentava trabalho em um congresso que fui.
Tudo bem, as células estão vivas. Mas será que estão saudáveis? Para mim que trabalho com ensaios de toxicologia, até que ponto determinado efeito é causado por um poluente e não pelo fato de as células estarem débeis (doentes)? Por isso que existem diversos ensaios para conferir a “saúde” das células, como a fagocitose, uso de diversos corantes (como o meu vermelho neutro) entre outros. No artigo, ele utilizou como ensaio a quantificação de uma proteína que é envolvida na fagocitose. Então, ele determinou que 3 dias de cultura seria o ideal para fazer este ensaio. Trocando em miúdos: às vezes, não é de grande valor manter a cultura por longos períodos, se o ensaio, teste, however, o seu objetivo não é eficiente em culturas longas.